O ‘Aquarius’ polêmico e político

O filme nacional que levou o Brasil para o cenário internacional de várias maneiras

O filme do diretor Kleber Mendonça Filho (O Som ao Redor), ferveu o mundo cinematográfico muito antes de sua estréia. Aquarius estrelado pela atriz Sônia Braga, mexeu com os ânimos políticos do país, com uma polêmica atrás da outra. Desde sua primeira mostra no Festival de Cannes em 2016, o filme ficou marcado por protestos do próprio elenco contra a situação política que ocorria no país.

Esta polêmica girou em torno do momento político que o país vivia em relação ao governo federal. As questões do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, seguiram até Cannes com os atores de Aquarius que no tapete vermelho portavam cartazes com frases como, “Brasil não é mais uma democracia” e “um golpe ocorreu no Brasil”.

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Elenco de Aquarius protestando no tapete vermelho do Festival de Cannes 2016

Com esta situação como pano de fundo, o público logo fez uma conexão entre o filme, e o que se passava com Dilma, criando um paralelo entre a personagem de Sônia Braga e a ex-presidente. Outras questões trouxeram esse viés político ao filme, como por exemplo a decisão da classificação indicativa de 18 anos, que parte da população considerou uma forma de censura para que o filme fosse pouco assistido, porém mais tarde a classificação foi alterada para apenas 16 anos.  

Kleber Mendonça, em várias entrevistas discutiu sobre a ligação política com o seu filme, afirmando o paralelo fantástico entre o filme e a situação brasileira. Kleber que é da cidade de Recife no Pernambuco, além de diretor é roteirista, produtor e crítico de cinema, obteve sucesso também com um outro filme chamado “O som ao Redor”, que foi aclamado pela imprensa nacional e classificado por Caetano Veloso de “um dos melhores filmes feitos recentemente no mundo”.

Em Aquarius, Mendonça, conta-nos a história de Clara (Sônia Braga), uma jornalista aposentada que reside no edifício Aquarius, prédio localizado na avenida Boa Viagem, local valorizado em Recife. Clara é a última moradora do condomínio, pois os outros apartamentos foram comprados pela construtora Bonfim, para que um prédio novo e mais moderno seja construído no lugar. Apesar de deixar bem explícito que não sairia de seu apartamento onde vive a mais de 30 anos, Clara sofre por várias situações e dificuldades por esta posição que ela tomou.

O longa foi dividido estruturalmente em 3 partes: “O cabelo de Clara”, “O amor de Clara” e “O câncer de Clara”. O capítulo um começa nos anos de 1980, no aniversário de tia Lúcia (Thaia Perez), onde temos a visão de Clara mais nova aos 30 anos, onde foi interpretada pela atriz Bárbara Colen. A jovem protagonista se recupera de um câncer agressivo na mama, e junto com sua família não comemora apenas mais um ano de vida de sua tia, mas o seu também.

Aquarius
Cena do filme – Aquarius

De cara percebemos que Clara é uma mulher de personalidade forte e decidida, que tem uma conexão forte com a música. Sendo jornalista vemos ao longo do filme que ela colocou a sua carreira a frente de sua família após o seu câncer, e isso afetou sua relação com seus filhos.

No segundo capítulo estamos em 2016, Clara (agora interpretado por Sônia) está no edifício Aquarius, local onde mora há 30 anos e coleciona momentos e lembranças com seus filhos e de seu falecido marido. Sozinha no edifício Aquarius em que os apartamentos foram comprados pela construtora Bonfim, Clara sofre com constantes tentativas da Bonfim para que ela venda seu apartamento e se mude o mais rápido possível. É neste capítulo também que vemos o relacionamento de Clara com seus filhos, e um sobrinho a qual ela tem um grande afeto.

É neste capítulo que começamos a entender um pouco os motivos que Clara não deseja sair de seu apartamento. Em uma das cenas do segundo capítulo, Clara está sendo entrevistada para um portal sobre sua carreira, e a jornalista em um certo momento cita os inúmeros LPs que estão no apartamento de Clara, e questiona o porquê dela não usar as novas ferramentas como streaming, e um dos motivos de dela é o fato da raridade dos LPs e sua história, ela explica a compra de um LP raro que ela encontrou em uma viagem aos Estados Unidos e como ela não teria essa experiência apenas adquirindo via streaming.

Por último no terceiro capítulo, temos o desfecho do constante assédio da construtora para a venda do apartamento. Clara descobre um ato da construtora para que o prédio ficasse comprometido, e pedindo ajuda de seus colegas jornalistas e uma amiga advogada ela encontra mais e mais informações antigas de corrupção da construtora. Isso leva Clara a confrontá-los na sede da Bonfim. Fim.

No filme não temos uma cena final, amarrando os desfechos que ocorreram no último capítulo, o filme acaba em confronto entre Clara e a construtora. Para muitos este final em aberto pode ser algo ruim que dificulta o entendimento do filme, por dar a sensação de inacabado. O fato de ter sido deixado em aberto, diz muito sobre o significado do filme. Deixando o público escolher o final o diretor, mostra que o filme inteiro tem a possibilidade de várias interpretações, apontando para o próprio caráter daqueles que viram o filme.

As atuações do filme foram fora do comum, e acima do que estamos acostumados no cenário nacional. Sônia Braga se destaca com uma atuação digna de prêmio – que ela recebeu de melhor atriz no Prêmio Ibero-Americano de Cinema Fênix – havia anos em que não vislumbramos essa força e emoção que ela apresenta ao dar vida a Clara. E foi por esta performance que o público simpatiza e se conecta com a personagem, a demonstração de força e determinação em salvar algo que ela tão amava.

Em relação ao ritmo do longa, tem-se algo um pouco mais lento e sem grandes sucessões de acontecimentos e ação. Na verdade o ritmo que o filme segue é exatamente o dia a dia de Clara, nada com o que estamos acostumados com os filmes de ação e blockbuster. Consideraria até que a velocidade dos eventos tornam o filme um pouco difícil de ver, e até de manter atenção.

A trilha sonora é outro diferencial do filme, com fragmentos do MPB e o pop pontuaram o filme. Como a personagem é uma jornalista especializada em música, as canções e sonoras se tornam fundamental para ditar um sentimento além. Abrindo e encerrando o filme temos o sucesso “Hoje” de Taiguara (1945-1996), entre os artistas nacionais que fazem parte da trilha temos: Alcione, Maria Bethânia, Roberto Carlos, Gilberto Gil, Reginaldo Rossi entre outros. Na parte do pop temos o grupo inglês Queen, que marcou os momentos de novidade e rebeldia do filme.

A música foi sumária em muitos momentos do filme, onde ela se tornou quase um personagem com suas próprias falas. Temos o momento em que Clara pega um LP, o põe na vitrola e coloca a música no último volume para que o barulho de fora não entrasse na sua casa.

O filme inteiro foi muito bem construído, com marcações pontuais na história, todos os elementos casaram muito bem com o contexto da sociedade brasileira. Com cenas fortes de sexo explícito, intrigas familiares e brigas entre o capitalismo e a preservação da história, o filme demonstra que seu objetivo é abalar tudo o que a sociedade acredita. Aquarius realmente merece toda atenção que recebeu, e não foi por menos que estava em uma premiação como Cannes.

Assista ao trailer 

Ficha Técnica:

Título Aquarius (Original)
Ano produção 2016
Dirigido por Kleber Mendonça Filho
Estreia 1 de Setembro de 2016 ( Brasil )

Outras datas

Duração 142 minutos
Classificação 16 – Não recomendado para menores de 16 anos
Gênero Drama Nacional
Países de Origem Brasil

 

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